Eu sou esse fluxo que leva as
pessoas a um lugar comum e totalmente desinteressante, mas que sempre existiu e
sempre existirá. Eu sou o poema que só fica na mente, ainda por ser escrito.
Sou a ausência doída, sou o rapaz que finge que dorme no trem pra não dar lugar
a velhinha que acabou de entrar no vagão. Eu sou o filho da puta. Eu sou o acento
sobressalente na palavra, a vírgula mal colocada, que torna a
expressão ambígua, o ponto que finaliza o que mal começou. Eu sou sua melhor
ilusão. Eu sou o cigarro que você fuma, a fumaça que entra em você. Eu sou o
choro estridente da criança com fome, que não tem ninguém pra lhe ajudar, que não
é notada pelos demais. Sou o homem de pouca fé. Sou a personagem que não queria
crescer. Sou loucura, sou excesso, sou intensidade, sou dúvida, medo e
crueldade. Sou a história real, de um conto distorcido, exposto numa mesa de
bar. Sou a mentira confortável, e a verdade inconveniente. Sou a saudade de uma
só parte, sou a ideia errada que fizeram de mim.
Eu sou essa gente que anda contra
o fluxo, pra um lugar totalmente diferente, mas que foi inventado pra isso. Eu
sou o poema pela metade. Sou a presença ausente, sou a velhinha que fica em pé
no trem ao lado de quem está sentado, esperando que lhe cedam lugar. Sou a puta
que te pariu. Sou a vírgula que te para, e te impede de se manter na velocidade
de sempre. Sou o ponto que não se encaixa em lugar nenhum. Eu sou só sua
projeção. Eu sou a enfisema no seu
pulmão. Eu sou aquela que nota a criança com fome, mas que finge não notar. Eu
sou a mulher que perdeu a esperança. Sou aquela que não queria ser criança. Sou
a história que jamais será vivida. Sou sua sensatez, a falta, a certeza, a
coragem e a bondade. Sou a mentira inventada, a meia verdade. Sou a parte que sente
saudade, sou a errada, que não faz ideia sobre si própria.
Eu sou essa gente que anda a
favor do fluxo, que se deixa ser levada e nem sabe pra onde. Eu sou o poema inteiro, que foi lido pela
metade. Sou a solidão lado a lado, a saudade com presença. Eu sou quem levanta
pra idosa sentar. Sou a mãe que pariu tristeza. Sou o acento que foi retirado
da plateia. Sou seu silêncio doloroso. Seu ponto final que corta a frase ao
meio, mesmo quando não terminada. Eu sou a fé que acabou de fugir do homem. Eu sou aquela sem
preferências, que cansou de discussões com a vida, e que a vida cansou de
discutir. Eu sou a saudade desmedida, o beijo de despedida, a mentira mal
contada, e a verdade despida. Sou total esquecimento, ainda que sempre em
recordação. Sou o oposto do que pensaram de mim, eu sou o que vocês são.